Camuflagem Urbana 02

FERTILIDADE

CONCRETO FÉRTIL

METRÓPOLE UMEDECIDA

Houve tempos recentes em que o concreto como material protagonista do erguimento das cidades era sinal de seu progresso que, tributário de sonhos pela concretude, baseou-se na fixidez para postular uma eternidade dependente da permanência das coisas. Diante, portanto, da inescapável fluidez do tempo que tende sempre a ruína das coisas, batalhamos na tentativa de solapar sua vocação tão destruidora quanto transformadora em prol de uma estabilidade bem ordenada, ligando intimamente a força de uma cidade à sua capacidade de manter-se, de representar via dureza, uma harmonia reinante. No entanto, houve sofrimento nesse processo, já que numa nítida preocupação com o por vir que nunca chega, a segurança deste futuro credível, dependeu de uma dura limitação das liberdades próprias do presente. Em todo caso, se ainda batalha-se para que o concreto escape à ruína de seu destino, parece que a metrópole comunicacional, pós-industrial, já recolocou em cena a exaltação do presente em sua inerente efemeridade do instante. Seja nas culturas juvenis contemporâneas, seja nessa nova metrópole que lhe serve de cenário, é a mobilidade que garante a vitalidade das coisas, enquanto que a fixidez ganha um tom de monotonia sonambular, ou melhor, adulta demais para ser viva. Digo com isso que sabemos mais sobre os cartazes, os lambe-lambes, os outdoors, os letreiros, as lojas que aparecem e desaparecem de uma hora para outra do que sobre estátuas que de tão permanentes, perderam boa parte de seus sentidos. Cristo pichado e re-iluminado a cada nova campanha, Drummond de óculos novos a cada nova semana, e assim a sociedade os atualiza, lhes atribuindo alguma dose da vitalidade de nosso tempo, doses generosas e casuais de impermanência.

Quando tomamos um ônibus numa auto-estrada, raramente alguma coisa permanece por muito tempo à nossa vista. Contemplamos justamente a libertária e insegura velocidade. No entanto, feito ironia, a única coisa que se mantém, é a obviamente impermanente e nunca acabada nuvem. Nuvem paradoxalmente sempre de passagem, mas que diante de nós, parados ou em velocidade, teimosamente permanece como que grudada sobre a janela.

Alguns mais atemorizados com a liquidez desta efemeridade, acabam, na nostalgia de uma segurança que trabalhava por um mundo de poucos vocabulários conhecidos, atribuindo certa inutilidade e infertilidade ao nosso tempo de pluralidade ressurgente. Parece, no entanto, que há muito mais democracia em paredes que dia após dia exibem o desgaste de algumas comunicações e a exibição de outras, do que naquelas que comunicam a impossibilidade comunicativa em sua pintura bem feita. O desgaste como agente corrosivo que democraticamente impede alguém de reinar por muito tempo, fazendo da sua corrosão seu adubo, como flores que surgem de onde aparentemente nada havia sido plantado. Parece que o concreto seco de outrora, umedecido pela cola, pela tinta e pelo suor, ganhou de vez a fertilidade, antes monopólio do solo.

Umedecida, a metrópole regida agora mais pelo devir do aqui e agora do que pelo projetismo de algo civilizante que virá, abre caminho à exibição inconsequente de boa parte das potências comuns ao presente, mas que tiveram de ser controladas em nome de um futuro que não chegou. Tudo o que fora interditado e que passou a garantir sua permanência clandestina sob tabus, ganha força e encontra na metrópole contemporânea e no protagonismo das culturas juvenis seus amplificadores. Brigas agendadas das gangs de subúrbio, pegas de automóvel, pornografia generalizada, alternativas sexuais de todas as ordens, transmutação dos gêneros. É o explícito reclamando sua posição na composição do mundo há tempos monopolizada pela metáfora que, sob o charme de dizer sem dizer, mantinha a insipidez civilizada. No entanto, o explícito não é excludente e não nega a metáfora. Pelo contrário, a convida. Afinal, há sensualidade explícita mesmo no charme delicado de nossos pés descalços

É, a meu ver, então, esta balança raramente equilibrada entre a permanência/segurança/ordenação e a impermanência/liberdade/obscenidade das coisas urbanas que, pendendo hoje claramente para esse último lado, parece servir, em alguma medida, de fundo aos trabalhos de Luiza Cascon, Julio Ferretti e Luiza Stavale.

Gustavo Coelho

Hidropônica

Um amigo, o Guto, passou pela feira e achou o formato de batata doce interessante e comprou. Pediu para guardar em minha bolsa e esqueceu de pegar de volta. Depois me contou que se eu plantasse iria dar uma flor roxa. Plantei, mas não na terra. Coloquei num pote com agua para acompanhar o desenvolvimento de sua raiz. Um estudo.

Daí veio a idéia de fazer uns cartazes urbanos com essa fotos.

Uma vontade, que me apareceu implicita, de continuar no mesmo campo semântico da FLÔ só que explorando um outro tema. Qual o propósito dessa imagem ? Um ruído ? Um instante de quem passa que terá de olhar mais de uma vez para entender do que se trata ?

Fiz duas experiências, uma com a imagem em contornos e sombras e outra reticulada como um outdoor publicitário e o tamanho ficou em torno de 1,80m.

foram feitas as matrizes impressas numa impressora laserjet e as cópias em fotocópia.

Abaixo uma foto do cartaz reticulado colado num portão na Tijuca, na rua Conde de Bonfim.

(5 cópias duas coladas)

e outra do cartaz em contornos e sombras numa passarela da Linha Vermelha

(4 cópias, 4 coladas)

todas as fotos colocarei no http://www.flickr.com/analogic .